Competências
visadas
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Competências
transversais
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De Comunicação: componentes
linguística, discursiva/textual, sociolinguística, estratégica Estratégica: estratégias de leitura e
de escuta adequadas ao tipo de texto e à finalidade; operações de planificação,
execução e avaliação de textos orais e escritos; pesquisa em vários suportes;
concepção e utilização de instrumentos de análise; utilização das TIC Formação para a cidadania:
aperfeiçoamento da capacidade de análise e de síntese; desenvolvimento de
formas plurais de relacionamento com a criação cultural; desenvolvimento de
capacidades para utilizar e avaliar informações de modo crítico e autónomo
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Competências
nucleares
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Conteúdos
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Leitura
Leitura
literária
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Textos informativos diversos
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Fernando Pessoa, ortónimo e heterónimos
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Compreensão Oral
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Registos áudio e audiovisuais diversos (poemas ditos, poemas
musicados, filmes, vídeos baseados na obra de Fernando Pessoa, documentários
sobre o autor, a obra e a época, sítios da Internet)
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Expressão Oral
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Exposição oral
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Expressão Escrita
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Curriculum vitae Textos de reflexão
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Funcionamento da Língua
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Previsível
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Texto Tipologia textual
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Potencial
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Consolidação dos conteúdos dos módulos anteriores
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Objetivos
de Aprendizagem
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▪ Distinguir a matriz discursiva de vários tipos de texto
▪ Adequar o discurso à situação comunicativa
▪ Distinguir factos de sentimentos e opiniões
▪ Reconhecer a dimensão estética da língua
▪ Contactar com autores do património cultural nacional e universal
▪ Programar a produção da escrita e da oralidade observando as fases
de planificação, execução, avaliação
▪ Produzir textos de diferentes matrizes discursivas
▪ Reflectir sobre o funcionamento da língua
▪ Interagir com o universo de sensações, emoções, ideias e imagens
próprias do discurso poético
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Fernando Pessoa
Tábua cronológica da vida de Fernando Pessoa
·
Fernando
António Nogueira Pessoa nasce a 13 de Junho de 1888, no Largo de S. Carlos, em
Lisboa.
·
Em
1893, sofre a morte do pai, Joaquim de Seabra Pessoa, perda que marca a sua
infância.
·
Em
1895, a mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira Pessoa, contrai matrimónio com
João Miguel Rosa, cônsul em Durban, na África do Sul.
·
Em
1896, Fernando Pessoa parte com a mãe para a África do Sul, onde realiza os
seus estudos.
·
Em
1905, regressa a Portugal.
·
Em
1906, matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa.
·
Em
1907, abandona o Curso. Abre a “Tipografia Íbis”, em Lisboa, um projeto que
fracassa.
·
Em
1908, começa a trabalhar como correspondente estrangeiro.
·
Em
1912, participa na revista A Águia e esboça o perfil do seu heterónimo Ricardo
Reis.
·
Em
1914, publica “Pauis” e “O sino da minha aldeia”, em A Renascença.
· Em
1915, publica “O Marinheiro”, “Opiário” e “Ode Triunfal”, na revista Orpheu.
·
Entre
1916 e 1927, colabora em inúmeras revistas da época: Contemporânea, Athena,
Revista de Comércio e Contabilidade e Presença.
·
Em
1934, publica Mensagem.
·
No
dia 30 de Novembro de 1935, morre, vítima de uma cólica hepática, no Hospital
de S. Luís dos Franceses.
O Modernismo
Entende-se aqui por “Modernismo”” um
movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e
por elas influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888),
M. Sá-Carneiro (n.1890) e Almada Negreiros (n.1893), em uníssono com a arte e a
literatura mais avançadas na Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalmente
nacional.
O modernismo implica uma nova
conceção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais
entre autor e obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do
Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise duma imagem
congruente do Homem e do mundo.
Almada Negreiros
José Sobral
de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de Abril de 1893 —
Lisboa, 15 de Junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se
dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à
escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na
primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, 1954
Amadeo de Souza Cardoso
Amadeo de
Souza-Cardoso (Manhufe, freguesia de Mancelos, Amarante, 14 de novembro de 1887
– Espinho, 25 de outubro de 1918) foi um pintor português.
Pertencente
à primeira geração de pintores modernistas portugueses, Amadeo de
Souza-Cardoso destaca-se entre todos eles pela qualidade excecional da sua obra
e pelo diálogo que estabeleceu com as vanguardas históricas do início do século
XX. "O artista desenvolveu, entre Paris e Manhufe, a mais séria
possibilidade de arte moderna em Portugal num diálogo internacional, intenso
mas pouco conhecido, com os artistas do seu tempo". A sua pintura
articula-se de modo aberto com movimentos como o cubismo o futurismo ou o
expressionismo, atingindo em muitos momentos – e de modo sustentado na produção
dos últimos anos –, um nível em tudo equiparável à produção de topo da arte
internacional sua contemporânea.
Amadeo da Souza Cardoso, Parto da Viola, 1916
O Parto da Viola
foi um dos quadros que contribuiu para a celebridade de Amadeo de Souza Cardoso.
Observamos nesta tela uma grande intensidade cromática e inúmeros objetos
sobrepostos que sugerem a iconografia tradicional (potes e bilhas de barro, uma
figura feminina – boneca popular) mas, simultaneamente, letras soltas e figuras
geométricas. O objeto central da obra não é uma viola, como sugere o título,
mas sim um violino, representado numa metade, a sugerir um perfil. É uma obra
muito rica pela heterogeneidade dos elementos que a compõem, pela sobre posição
e geometrização, assim como pelos jogos de luz e cor, sendo um exemplo do
Modernismo em Portugal.
Fonte: Manual Interações,
Português, 12º ano, Fátima Azoia e Fátima Santos, 2007
FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO
Fernando Pessoa conta e
chora a insatisfação da alma humana. A sua precaridade, a sua limitação, a dor
de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se
sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a
ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no
tédio.
Os remédios para esse
mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num
mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo
messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são
tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua
condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de
náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de
absoluto e insatisfação do relativo.
A poesia está não na dor experimentada ou
sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que
deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de
maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta
concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada
mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há quatro
dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e
a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.
- A intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da arte (exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O que julguei que senti”) ;
- Identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”)
- Consciência do absurdo da existência
- Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência
- Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
- Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração.” – Isto)
- Estados negativos: egotismo, solidão, ceticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero
- Inquietação metafísica, dor de viver
- criação dos
heterónimos (“Sê plural como o Universo!”)
- Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem)
- A intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da arte (exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O que julguei que senti”)
Flávio Horta, 2016
Autopsicografia
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
- · O título “Autopsicografia” a sugerir a análise/descrição da própria natureza psíquica.
- · A teorização da arte poética de Pessoa ortónimo: o fingimento artístico, a intelectualização das emoções.´
- · Fingir, do latim fingere, significa modelar, esculpir, imaginar; o sujeito poético modela, transfigura a dor sentida.
- · Os leitores têm acesso a uma terceira dor, a dor lida e não as duas dores do poeta, a sentida e a escrita/intelectualizada.
- · O predomínio do presente do indicativo, tempo verbal adequado à teorização.
- · A conclusão metafórica do coração/comboio de corda que entretém a razão.
Fonte: Manual Interações, Português, 12º ano, Fátima Azoia e Fátima Santos, 2007
L
Fernando Pessoa
Ó sino da minha aldeia,
Ó sino
da minha aldeia,
Dolente
na tarde calma,
Cada
tua badalada
Soa
dentro da minha alma.
E é
tão lento o teu soar,
Tão
como triste da vida,
Que já
a primeira pancada
Tem o
som de repetida.
Por
mais que me tanjas perto
Quando
passo, sempre errante,
És
para mim como um sonho.
A cada
pancada tua
Vibrante
no céu aberto,
Sinto
mais longe o passado,
Sinto
a saudade mais perto.
Fernando
Pessoa
Igreja de Santa Maria, Beja, Leonel Borrela
- Sino que toca dentro da alma, é um toque que lembra a Pessoa memórias de infância, portanto um toque que não o deixa indiferente, como qualquer outro toque de outra igreja.
- "Tão como triste da vida": o poeta quer dizer "Tão lento como triste da vida".
- É um sino metafórico: representa outra coisa, as suas memórias de infância.
- Errante é aqui "sem destino", sem futuro, sem esperança, porque o sujeito poético apenas na sua infância encontra conforto e sentido para a vida.
Ela
canta, pobre ceifeira,
Ela canta,
pobre ceifeira,
Julgando-se
feliz talvez;
Canta, e
ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e
anónima viuvez,
Ondula como
um canto de ave
No ar limpo
como um limiar,
E há curvas
no enredo suave
Do som que
ela tem a cantar.
Ouvi-la
alegra e entristece,
Na sua voz há
o campo e a lida,
E canta como
se tivesse
Mais razões
para cantar que a vida.
Ah, canta,
canta sem razão!
O que em mim
sente está pensando.
Derrama no
meu coração
A tua incerta
voz ondeando!
Ah, poder ser
tu, sendo eu!
Ter a tua
alegre inconsciência,
E a
consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó
canção! A ciência
Pesa tanto e
a vida é tão breve!
Entrai por
mim dentro! Tornai
Minha alma a
vossa sombra leve!
Depois,
levando-me, passai!
Fernando Pessoa
Ceifeira:
. “pobre” e
duma “anónima viuvez”
. Julga-se
“feliz”
. Símbolo de
harmonia, inconsciência e tranquilidade.
. Canta
. incerta
voz
. Alegre
inconsciência
“ E canta
como se tivesse / Mais razões para cantar que a vida”.
O
Canto:
. Era suave,
“ondula como um canto de ave”( a voz)
. “Alegre”
porque talvez ela se julgasse feliz, mas ela era “pobre” e a sua voz “cheia de
anónima viuvez”.
.
Inconsciente -a ceifeira canta “como se tivesse… razões para cantar”. Não as
tem.
. Encanta e
prende o poeta
Desejos e
estado de espírito do sujeito Poético
. Deseja ser
ela
. Desejava a
inconsciência da ceifeira por ser (para ela) a única causa da sua alegria.
. O poeta é
incapaz de permanecer ao nível das sensações, transforma-as de imediato em
ideias
Dor de
pensar
. O poeta
sente a “dor de pensar” e deseja libertar-se dela
. Dor
de pensar é um factor que invade a mente do poeta e o impede de viver
plenamente a vida, ou seja, a extensão dos seus sentimentos é constantemente
diminuída pela vastidão do seu pensamento
. “Pensa que
a vida só vale a pena ser vivida quando vivida sem pensamento”
. “Mais
feliz é aquele que vive na ignorância”
“Ah,
poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência
disso!”.
L
Não
sei, ama, onde era
Não
sei, ama, onde era,
Nunca
o saberei...
Sei
que era Primavera
E
o jardim do rei...
(Filha,
quem o soubera!...).
Que
azul tão azul tinha
Ali o azul do céu!
Se eu não era a rainha,
Porque
era tudo meu?
(Filha,
quem o adivinha?).
E
o jardim tinha flores
De
que não me sei lembrar...
Flores
de tantas cores...
Penso
e fico a chorar...
(Filha,
os sonhos são dores...).
Qualquer
dia viria
Qualquer
coisa a fazer
Toda
aquela alegria
Mais
alegria nascer
(Filha,
o resto é morrer...).
Conta-me
contos, ama...
Todos
os contos são
Esse
dia, e jardim e a dama
Que
eu fui nessa solidão... Fernando Pessoa
Liberdade
Ai
que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Fernando Pessoa e os heterónimos
Os
heterónimos são personagens imaginárias criadas pelo poeta. Fernando Pessoa
criou mais de setenta heterónimos, sendo mais importantes Alberto Caeiro,
Ricardo Reis, Álvaro de Campos e o semi-heterónimo Bernardo Soares.
Em carta
dirigida ao seu amigo Adolfo Casais Monteiro, Pessoa explica o nascimento da
heterónima:
[Carta
a Adolfo Casais Monteiro - 13 Jan. 1935]
Caixa
Postal 147
Lisboa,
13 de Janeiro de 1935.
Meu
prezado Camarada:
Muito
agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de,
propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de
cópia. Acabou-se-me o decente, é domingo, e não posso arranjar outro. Mas mais
vale, creio, o mau papel que o adiamento. […]
Vou
agora fazer-lhe a história direta dos meus heterónimos. Começo por aqueles que
morreram, e de alguns dos quais já me não lembro — os que jazem perdidos no
passado remoto da minha infância quase esquecida.
Desde
criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me
cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se
realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. [...]
Aí
por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns
poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo
Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso.
Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa
que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo
Reis).
Ano e meio, ou dois
anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro — de
inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não
lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o
poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de
Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a
escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos
poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi
o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um
título, O Guardador de
Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei
desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera
em mim o meu mestre. […]
Mais
uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas
real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Alvaro de Campos.
Construi-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro
do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no
Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas
viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase
alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 13:30
da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para
essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas
agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e,
embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo
Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de
Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco
tendente a curvar-se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis;
Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de
judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.
Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução
primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo
de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis,
educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde
1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por
educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos
teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar
engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao
Oriente de onde resultou o Opiário.
Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome
desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer
calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstrata,
que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso
para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que
aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou
cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de
raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um
semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da
minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade.
[…}
Abraça-o
o camarada que muito o estima e admira.
Fernando
Pessoa
"Alberto Caeiro"
Não Tenho Pressa
Não
tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Da minha aldeia
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro
Alberto Caeiro apresenta-se como um
simples “guardador de rebanhos”, que só se importa em ver de forma objectiva e
natural a realidade, com a qual contacta a todo o momento. Daí o seu desejo de
integração e de comunhão com a natureza.
Para Caeiro, “pensar” é estar doente dos
olhos. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa vendo e ouvindo.
Recusa o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”. Ao
anular o pensamento metafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante
o mundo, elimina a dor de pensar que afecta Pessoa.
Vê o mundo sem necessidade de
explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um facto
maravilhoso; por isso, crê na “eterna novidade do mundo”. Para Caeiro o mundo é
sempre diferente, sempre múltiplo; por isso, aproveita cada momento da vida e
cada sensação na sua originalidade e simplicidade.
Põe quanto És no Mínimo que
Fazes
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis, in "Odes"
Amo o que Vejo
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
Ricardo Reis, in "Odes" (Inédito)
Ricardo Reis propõe, pois, uma filosofia moral de acordo com os princípios
do epicurismo e uma filosofia estóica:
- “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai a vida em cada dia,
como caminho da felicidade;
- Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);
- Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo);
- Procurar a calma, ou pelo menos, a sua ilusão;
- Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a
liberdade (sobre esta apenas pesa o Fado).
Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a. olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus! o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a. olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus! o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
TRAÇOS DA SUA POÉTICA
- poeta modernista
- poeta sensacionista (odes)
- cantor das cidades e do
cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)
- cantor da vida marítima em todas
as suas dimensões (“Ode Marítima”)
- cultor das sensações sem limite
- poeta do verso torrencial e livre
- poeta em que o tema do cansaço se
torna fulcral
- poeta da condição humana
partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos (“Tabacaria”)
- observador do quotidiano da
cidade através do seu desencanto
Castelo de Beja
Castelo
de Beja,
No
plaino sem fim;
Já
morto que eu seja,
Lembra-te
de mim!
Castelo
de Beja,
De
nuvens toucado;
É
sol do Passado!
Castelo
de Beja,
Espiando
o inimigo;
Te
veja ou não veja,
Sempre
estou contigo!
Castelo
de Beja,
Feito
de epopeias;
Um
sonho flameja,
Nas
tuas ameias!
Castelo
de Beja,
Subindo,
lá vais...
Tu
fazes inveja
Castelo
de Beja,
Lembra-te
de mim:
Saudade
que adeja,
No
plaino sem fim...
Mário
Beirão
Fernando
Pessoa
[Carta
a Mário Beirão - 1 de Fev. 1913]
Meu
querido Mário Beirão:
Deu-me
um grande prazer a sua carta de 25, que há dias recebi. Tinha muita pena, é
certo, que v. não me tivesse escrito ainda, mas, como eu também lhe não tinha
escrito, não me cabia o direito objetivo de ter essa pena. O pior para mim é
que eu, por certo, sinto mais a falta de correspondência que v. Estou, quanto a
companhia espiritual e imediata, quase só, se não só em absoluto... Não sou das
pessoas menos acompanháveis por si próprias, mas ainda assim — e de vez em
quando aborreço-me de não andar senão comigo.
(…)
Dê
saudades minhas ao Vila-Moura e escreva-me breve e o mais extensamente que
puder.
Um
grande abraço do seu dedicadíssimo
FERNANDO
PESSOA
Rua
Passos Manuel, 24, 3.º E.
O Castelo de Beja localiza-se no extremo
NO da cidade. De acordo com as fontes tradicionais, ocupa o primitivo castrum
romano. Trata-se de um castelo de cariz medieval, disposto em planta
pentagonal, flanqueado por seis torres, incluindo a de Menagem. A construção do
castelo e muralha deveu-se a iniciativa régia, quando D.Afonso III atribui o
Foral de Beja, que inclui a reconstrução do sistema de fortificação da cidade,
compreendendo-se a longevidade do processo de construção. A torre, segundo
alguns autores, pode estar associada ao reinado de D. Dinis. O complexo de
arquitetura militar inclui, ainda, o pano de muralhas que limita a cidade
antiga, que, com pequenas alterações, se conservou até à Guerra da Restauração.
A Torre de Menagem tem cerca de quarenta metros de
altura, tratando-se da torre mais alta do território nacional. É considerada
pelos investigadores uma das mais belas torres de menagem de Portugal, na qual
convergem o caráter bélico e artístico de forma singular. Foi projetada por
arquitetos ou mestres dionisianos desconhecidos; contudo, cada vez mais se
acredita que foi terminada em pleno reinado de D. João I. De planta
quadrangular, é composta por três salas. A primeira sala, ao nível térreo, é
iluminada por três frestas estreitas, apresentando abóbada ogival destacando-se
na sua decoração composta por bocetes naturalistas e alvéolos de inspiração
muçulmana. Na face leste parte a escada helicoidal que dá acesso ao 2º e 3º
andar e terraço, num total de 183 degraus
Francisco
Ferreira, visita de estudo ao Castelo de Beja, 7/6/2017
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