DE TARDE
Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.
Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde
Análise Sistematizada
Édouard Manet, le déjeuner sur l'herbe
No poema “De Tarde”,
o sujeito poético relata uma situação passada entre um grupo de burguesas, num
cenário campestre. Depois de, num primeiro momento (vv. 1-4), apresenta
genericamente o quadro social em que se inscreve a situação relatada (“pic-nic
de burguesas”) e de anunciar o assunto do poema (“uma coisa simplesmente bela”),
o sujeito poético representa a situação anunciada por meio de quadros
sucessivos: o “tu” que desce do “burrico” (vv.5-8), para colher um ramo de
papoulas (vv. 9-12); o “pic-nic” ao final de tarde; o ramo de papoulas, “a sair
da renda” (vv. 13-16). Seguindo-se uma estrutura narrativa, parte-se assim, do
geral para o particular (do “pic-nic” de burguesas para o “tu”), focando-se um
pormenor – o ramo de papoulas que sobressai no decote.
A representação do real
é marcada pelo primado das sensações visuais (“aguarela”, “azul”, “rubro”,”púrpuro”),
complementadas com a sugestão de sensações gustativas (“talhadas de melão”,
“damascos”, “pão de ló”, “malvasia”). A representação sensorial e
impressionista é enriquecida pelo uso expressivo do adjetivo (“azul”, “rubro”, “púrpuro”)
e do advérbio (“simplesmente”), pela comparação (v.14) e pela enumeração (vv.
11-12).
Ao nível formal, o
poema é constituído por quatro quadras decassilábicas.
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