terça-feira, 2 de maio de 2017

DE TARDE

Naquele pic-nic de burguesas, 
Houve uma coisa simplesmente bela, 
E que, sem ter história nem grandezas, 
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico, 
Foste colher, sem imposturas tolas, 
A um granzoal azul de grão-de-bico 
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos, 
Nós acampámos, inda o Sol se via; 
E houve talhadas de melão, damascos, 
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda                         
Dos teus dois seios como duas rolas, 
Era o supremo encanto da merenda 
O ramalhete rubro das papoulas.

Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde

Análise Sistematizada

       Édouard Manet, le déjeuner sur l'herbe


            No poema “De Tarde”, o sujeito poético relata uma situação passada entre um grupo de burguesas, num cenário campestre. Depois de, num primeiro momento (vv. 1-4), apresenta genericamente o quadro social em que se inscreve a situação relatada (“pic-nic de burguesas”) e de anunciar o assunto do poema (“uma coisa simplesmente bela”), o sujeito poético representa a situação anunciada por meio de quadros sucessivos: o “tu” que desce do “burrico” (vv.5-8), para colher um ramo de papoulas (vv. 9-12); o “pic-nic” ao final de tarde; o ramo de papoulas, “a sair da renda” (vv. 13-16). Seguindo-se uma estrutura narrativa, parte-se assim, do geral para o particular (do “pic-nic” de burguesas para o “tu”), focando-se um pormenor – o ramo de papoulas que sobressai no decote.
          A representação do real é marcada pelo primado das sensações visuais (“aguarela”, “azul”, “rubro”,”púrpuro”), complementadas com a sugestão de sensações gustativas (“talhadas de melão”, “damascos”, “pão de ló”, “malvasia”). A representação sensorial e impressionista é enriquecida pelo uso expressivo do adjetivo (“azul”, “rubro”, “púrpuro”) e do advérbio (“simplesmente”), pela comparação (v.14) e pela enumeração (vv. 11-12).
          Ao nível formal, o poema é constituído por quatro quadras decassilábicas.

In Manual Encontros, 11ºano, Porto Editora

Nenhum comentário:

Postar um comentário